Segunda-feira, 15 de Agosto de 2011

"Experiência"

O Rogério Rodrigues, enorme poeta trasmontano, cedo acordou para esta arte maior, linguagem dos deuses.

Em 1972, creio eu, dá à estampa um "Livro de visitas" responsável por ter abraçado uma carreira de mais de trinta anos no jornalismo, grande metier, como tão bem o disse e escreveu José Cardoso Pires.

O "Pires" estendia, esse enamoramento que tinha pelos jornais e pela sua escrita, à publicidade, que permite expurgar a linguagem das desnecessidades, das gorduras que a inquinam, ir até ao osso da narrativa...

Partilhámos, eu e o Rogério, faz tempo, um blog, que remetia para uma tertúlia catita, que amesendava às quartas, numa cave, junto à estação dos CF da Amadora. Mapril se nomeava o restaurador daquele lugar. Em sua honra designámos o dito blog.

Um dos seus últimos textos ali publicados, creio mesmo que o final, é de soberba qualidade.

Repito-o aqui, para vosso prazer e meu encanto.

«josé, penso ter descoberto o caminho das pedras. E já agora começarei a escrever com maior assiduidade. Não vou revelar sequer que o Pina Moura foi cativado (agradável eufemismo) para o PCP , em 1972, pelo Arnaldo Mesquita do Público, antigo jornalista do Diário e que era profundamente sectário. Que eu o diga que tive de o aturar a chamar-me anti-comunista numa campanha eleitoral, creio que em 1983, em que o Vasco Gonçalves, apoiado pelo Borges Coelho ( este bom homem estava fazer o seu papel, sem acreditar no papel que fazia) defendia a independência portuguesa do 1385,como uma revolução marxista. Como o comício foi montado numa gigantesca tenda, creio que na Fernão Magalhães, no Porto, eu titulei a minha peça como "A História foi ao circo". Não gostaram.
Mais tarde, zangaram-se também comigo, porque em "O Jornal" de boa memória, que sendo jornal era semanário, eu fiz um perfil de Álvaro Cunhal, intitulando-o de "ABC dos comunistas". O ABC não passava das iniciais do nome do Cunhal: Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Agora, que entrei definitivamente no grupo etário daqueles que não têm nome quando são atropelados, os sexagenários dos bares que vão morrendo, desencantados com o futuro, que já relêem mais do que lêem, avessos aos acordos ortográficos, mal sabemos o que havemos de fazer com o nosso passado. Torná-lo futuro? Ou dizermos que a história é a memória do futuro?
São tantas as presenças como os dias que me faltam. As tardes longínquas e melancólicas com o Assis Pacheco no Fim de Século e no Hotel Britânia, as noites longas e sem cansaço, tão só de nostalgia transmontana, de uma ruralidade que não perdíamos, com o Afonso Praça, esse sólido mais líquido que me foi dado conhecer, esse odre de ternura, que passou de mansinho pela vida como se tivesse sempre a pedir desculpa pelo talento que tinha. As noites, longas, muito longas, em que o álcool corria como um regato de afectos contidos, mas sem fim, com o Cardoso Pires, entre o colérico, o iconoclasta, mas o melhor contador de histórias dos bas-fonds desta cidade ( leia-se Lisboa) que tanto amava. O Cardoso Pires, era de ódios e amores. E tinha muito mau perder, como ele próprio confessava.
E depois o Luís, o Sttau Monteiro, o mais admirável e generoso mentiroso que me foi dado conhecer. Escrevia à minha frente a Guidinha, numa Hermes pesada, a correr, que tinha que ir a algum lado. Efabulador, grande cozinheiro na sua casa de Campo de Ourique, inveterado bebedor de gin, homem de muitos encantos, de um charme muito britânico, de uma ironia corrosiva, era, porém, transbordante nos afectos para os seus amigos. Morreu ainda as últimas rosas não tinham florido.
Hoje, proclamam-se os best-sellers de aeroporto, lidos enquanto se mascam pastilhas; os jornais são economicamente obedientes, reverentes e pouco venerandos; a mediocridade, mas com boas maneiras, é um bom princípio para o sucesso. O país é apenas o reflexo do país, não a sua realidade. Utiliza-se o espelho como se fosse a verdadeira face. A imagem do rosto secundariza o rosto. Querem-nos impôr uma clandestinidade ética, tornar a norma da virtude como um desvio. Um perigoso desvio que deve ser tratado ou combatido.
Querem-nos sem ideologia, assépticos, flor artificial, sem cheiro, mesmo do suor, sem tabaco ( se no céu não se pode fumar, eu não quero ir para o céu, escreveu Mark Twain), tão limpos que querem transformar a cidade num imenso hospital com multidões saudáveis mas proibidas de transgredir.
Querem proibir a transgressão; são os inquisidores do interdito; os que definem a liberdade dos outros, como se a liberdade não fosse um valor individual; que tentam pôr um chip na nossa alma e controlar os nossos sonhos, e isto tudo para que vivamos mais anos a criar mais problemas à Segurança Social.Querem-nos clonados, sejamos novos ou velhos, querem-nos tão iguaizinhos a ponto de um dia conseguirem que nós não saibamos quem somos. Apenas eles sabem, nos seus arquivos, o que nós fomos.
Já cá não estarei por certo, quando algumas liberdades e indignações utópicas não passarem de mero estudo académico para teses de doutoramento, tão bem comportadas que até Júlio Dantas vai ser considerado, a par de José Rodrigues dos Santos, um génio injustamente ignorado por esses libertinos cuja memória é proibido recordar...»


publicado por weber às 21:00
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