Sábado, 19 de Novembro de 2011

Krinein


Lexema grego, que significa crise, mas do qual deriva, também, critica, entre outras.

O padre Borges, outro que tem coluna cativa no DN, mas só por lá deambula aos sábados, hoje ataca esta momentosa, quanto tormentosa, questão: a crise.

O texto do nosso filósofo merece ser lido, sublinhado e reflectido.

Não carece de grandes, menos ainda de pequenos enquadramentos ou desconstruções.

Leiam-no, apenas e por aqui.

E in extenso:

'Haverá palavra com que sejamos mais bombardeados do que a palavra crise? Ela é a nossa perplexidade e angústia. O que vem aí? Ela é repetida concretamente desde 2008, por causa da crise financeira, que inevitavelmente acabou por estender-se à economia, e, agora, os terramotos sucedem-se sob o domínio voraz dos mercados, e ninguém sabe como tudo terminará. É preciso estar preparado para o pior. Mas a crise é maior, pois é intrínseca à realidade. A realidade está permanentemente em crise, pois pertence à sua constituição. Pense-se na evolução. Há 13 700 milhões de anos foi o Big Bang, e a realidade, que é dinamismo, foi-se configurando, no quadro do acaso e da necessidade e passando, portanto, por crises constantes, por vezes até com becos sem saída, em estruturas cada vez mais complexas - a mais complexa que conhecemos é o cérebro humano. O que é facto é que avançou "oportunisticamente" e chegou até nós. Estamos cá. E há perguntas críticas: que vamos fazer com o genoma humano e as novas tecnologias, falando-se já em transhumanismo? E com a cibernética e a Net (rede ou labirinto?)? E com a ameaça ecológica? E com a globalização? O que é a crise? Pode ser iluminante ir ao étimo. Crise vem do verbo grego "krinein", que está também na origem de crítica, e significa distinguir, discernir, resolver um litígio, interpretar, explicar uma questão, julgar, apreciar, decidir. Enquanto termo técnico da medicina refere-se ao ponto alto e de viragem de uma doença. No alemão, há mesmo o verbo "kriseln", que só aparece impessoalmente - "es kriselt": está iminente e ameaçadora uma crise, difícil e decisiva. Mas o próprio étimo aponta já para uma possível oportunidade: de "opportunus - ob-portus": que impele para o porto. "Opportunitas" (oportunidade) significa precisamente "ocasião favorável", e o advérbio "opportune", a tempo, oportunamente, vantajosamente. Estamos, pois, permanentemente em crise, porque a nossa identidade é narrativa: faz-se, desfaz-se, refaz-se... E isto acontece na evolução, com os indivíduos, com os grupos, com os povos. A Europa, por exemplo, está numa crise gigantesca. Afinal, o que é que ela quer? O que queremos ser? Esta crise pode ser a oportunidade para pensar nisso e decidir em consequência. O que é que vai ser a Europa num mundo globalizado, se não for União europeia solidária? Torna-se insignificante. Uma Europa fragmentada fará erguer de novo no horizonte os fantasmas da guerra. Ora, não foi precisamente o desejo de pôr termo aos contínuos conflitos bélicos que levou os grandes estadistas fundadores, como K. Adenauer, J. Monet, R. Schuman, De Gasperi, ao projecto do que poderia e deveria ser a União Europeia? E não faz falta ao mundo a Europa social, dos direitos humanos? A primeira crise é a do nascimento. O bebé encontrava-se encantado no ventre materno, numa temperatura ideal e na paz do líquido amniótico. No entanto, tem de partir, e fala-se do primeiro trauma, precisamente o do nascimento. Mas não é essa a condição de possibilidade de conhecer os pais e admirar o mundo e crescer e construir uma história: a sua, com os outros? Típica é a crise da adolescência - a idade crítica. Dá-se uma reconfiguração do cérebro do adolescente, que, perante a turbulência das emoções, ainda não está maduro para ser seu dono. Já não é criança, ainda não é adulto, mas precisamente essa crise é a oportunidade para crescer e tornar-se adulto. Quem nega as crises no casamento? Mas delas não poderá nascer um amor maior, mais maduro? Uma doença pode ser dramática mas, ao mesmo tempo, a oportunidade para reorientar a vida. Talvez se tenha andado demasiado distraído e é a hora de pensar no que verdadeiramente vale e no que vale menos ou pura e simplesmente não vale. No meio de todas as crises, reflectindo, o que está mesmo em questão é isso: pensar. O filósofo Ernst Bloch (na foto) não se cansava de repetir: "Not lehrt denken": a necessidade ensina e obriga a pensar. Por exemplo: é no consumismo frenético que somos mais felizes?'


publicado por weber às 13:36
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De Jaime Santos a 19 de Novembro de 2011 às 16:47
O Padre Borges, fruto da sua condição de sacerdote cristão, acredita na capacidade redentora da dor e da crise. Eu tenho as minhas duvidas. Se a necessidade e a mãe do engenho, como afirma o aforismo e o refraseia Bloch, nem sempre existem soluções para as crises que possam ser alcançadas por uma qualquer razão pura. Não nos devemos esquecer do carácter contingente da Historia. E não nos devemos igualmente esquecer que há soluções que provavelmente tiveram o seu tempo (as eurobonds ou provavelmente a compra da divida soberana pelo ECB no mercado primário). A Europa esta provavelmente a ficar sem tempo. Melhor seria que começássemos a pensar nos também nas consequencias de um regresso ao Escudo e isto antes que os nossos credores nos suguem o que ainda há para sugar...


De weber a 19 de Novembro de 2011 às 17:22
É justo e bem observado.


De logros a 19 de Novembro de 2011 às 19:48
Comentário muito lúcido de JR. As civilizações e os paradigmas que as sustentam, têm apogeus e quedas. E a fábula do progresso contínuo está há muito desactualizada. Ahumanidade, ou o que quer que isso seja, caminha (?) por ciclos de longa duração, como já disseram grandes historiadores.


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