Hoje fui apanhado de surpresa.
Passado o estupor, fiquei contente e apaziguado. Anselmo Borges confirma-se como pessoa de bem e honrado cidadão.
O teólogo, filósofo e escritor, foi, a convite da Gradiva, apresentar o último "livro" assinado por JRS, doutor em jornalismo e pivot da RTP, onde é conhecido, também, pelo Zé do telhado (anedota verdadeira de um pifio, merdoso e medroso desempenho em Timor Leste...).
Isto, para o Pe. e Missionário, podia representar uma armadilha, já que o livro foi objecto de severa "critica", não literária, da parte da Igreja Católica...
Mas leia-se a crónica publicada no DN e pretextando a dita apresentação, que traduz mais as inquietações teológicas e as inexactidões biblicas do "escritor" e menos o "valor" literário que o livro possa, ou não, ter.
Pelo importância da opinião publicada (quando saiu o Caim de Saramago, o padre Borges assumiu sem ambiguidades:"gostei muito do livro") passo-a por inteiro.
"Coube-me, a pedido da Gradiva, apresentar O Último Segredo, de José Rodrigues dos Santos.No sábado passado, na Sociedade de Geografia, com mais de 500 pessoas presentes. O que aí fica é a primeira parte de uma breve síntese do que aí disse. 1. Vamos supor que se descobriram os restos mortais de Jesus Cristo num túmulo de família. Agora, a partir do seu ADN, como não tentar cloná-lo, se ainda por cima o projecto for no sentido de o Jesus clonado instaurar a paz no mundo? Arranje-se uma intriga, com assassinatos pelo meio, dentro de um thriller, a partir dos interesses de uns em levar a ideia por diante e a perseguição de outros, que têm medo da sua concretização por motivos diversos, e temos material para uma história de enredo apelativo. Se, no meio da intriga, se vão descobrindo alegadas "fraudes" na Bíblia e se anuncia "a verdadeira identidade de Jesus", temos os ingredientes para o sucesso. Mesmo se o tema da clonagem de Cristo não é original, pois já há tempos apareceu um romance com esse tema.2. A partir dos conhecimentos históricos disponíveis e fundados - Jesus é a figura mais estudada da História -, penso que, apesar das controvérsias que continuam, à pergunta "o que podemos saber hoje sobre o Jesus histórico?", se pode responder minimamente dizendo que foi um profeta escatológico judeu, um sábio, alguém com o dom da cura e um carismático, homem de mesa em comum e rompendo com a distinção entre puros e impuros, que impulsionou um movimento messiânico integrador de marginais, um homem de conflitos e perigoso para a ordem religiosa e social estabelecida, condenado pela oligarquia sacerdotal de Jerusalém e mandado executar na cruz pelo procurador romano, "o seu movimento profético-messiânico manteve-se e transformou-se depois da sua morte" (Xabier Pikaza). Alguns dos discípulos afirmaram que estava "vivo" e que tinha sido elevado à glória de Deus.3. No desenrolar da intriga de O Último Segredo, há pressupostos e afirmações histórico-teológicos. Pergunta-se: o que valem? Para mim, ao contrário do que insinua José Rodrigues dos Santos, os pilares do cristianismo não são abalados.Assim, não perturba nada a minha fé que Maria seja virgem ou não: o Credo não é um tratado de biologia. Do mesmo modo, não agride a fé cristã que Jesus tenha tido ou não irmãos e irmãs ou que tenha sido casado ou não. O que a boa teologia diz sobre a Santíssima Trindade é que a unidade de Pai, Filho e Espírito Santo é uma unidade de revelação: "Deus mesmo manifesta-se através de Jesus Cristo no Espírito", escreve Hans Küng. Na Bíblia, não se diz que Jesus é o próprio Deus. Ele é confessado pelos crentes como o Cristo, isto é, Messias e Filho de Deus. Ele é a revelação definitiva de Deus, não o Deus (hó theós). Quanto à ressurreição, ela não pode entender-se como a reanimação do cadáver. O que foi feito do cadáver de Jesus ninguém sabe: pode inclusivamente ter ido para uma vala comum. No entanto, não haveria cristianismo sem a convicção de fé de que Jesus não morreu para o nada mas para o interior de Deus, para a vida eterna de Deus. Deus em quem Jesus acreditava e revelou como amor não o abandonou na morte. É evidente que a ressurreição não é um acontecimento da história empírica, estudada pelos historiadores nem podia ser, pois transcende a história. O que é histórico é que Jesus foi crucificado e pouco depois os discípulos voltaram a reunir-se em nome de Jesus Cristo, que anunciaram como o Vivente em Deus. Essa experiência de fé foi de tal modo avassaladora que dela deram testemunho até à morte. Mas é claro que uns acreditam e outros não. Uns e outros com razões. Sou muito mais cauteloso do que José Rodrigues dos Santos, que declarou ao DN que acredita em Deus "porque a ciência já encontrou provas". Ora, Deus não pode ser objecto de provas científicas: um Deus demonstrado cientificamente não seria Deus, mas um objecto mundano e finito. Uns crêem e outros não, e há razões para acreditar e razões para não acreditar, mas não há provas científicas."
Posso estar a tresler o Pe. Borges, mas acho que ele "arrasa" o escrito do JRS.
Percebe-se, por que o nosso teólogo numera o titulo da sua crónica, e por que no-lo anuncia, que, no próximo sábado, teremos continuação...esperemos para ver como acaba este quase "acontecimento".
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. The End